TJBA 28/03/2022 -Pág. 1309 -CADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA -Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3066 - Disponibilização: segunda-feira, 28 de março de 2022
Cad 3/ Página 1309
Sentença:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COM. DE NAZARÉ
________________________________________
Processo: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL n. 8001311-65.2019.8.05.0176
Órgão Julgador: V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COM. DE NAZARÉ
AUTOR: MARILEIDE REIS DA SILVA DA HORA
Advogado(s): JOAO DE CARVALHO SANTIAGO (OAB:BA57455), EVANILSON MOREIRA CERQUEIRA registrado(a) civilmente
como EVANILSON MOREIRA CERQUEIRA (OAB:BA46120)
REU: COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA COELBA
Advogado(s): ENY ANGE SOLEDADE BITTENCOURT DE ARAUJO (OAB:BA29442)
SENTENÇA
Dispensado relatório – art. 38 da Lei 9.099/95.
FUNDAMENTO.
Inicialmente, verifico a hipossuficiência da parte autora em relação à ré. Por outro lado, a ré destaca-se como uma das maiores empresas do estado, contando com grande corpo técnico e de advogados. Tal situação, de evidente desigualdade material, deve ser
compensada mediante um tratamento diferente no âmbito processual, a fim de alcançar-se um equilíbrio, qualidade da justiça material.
Alia-se a esse contexto a verossimilhança da alegação.
Insta salientar que, no caso em análise, estamos diante de uma típica relação de consumo, pois as partes enquadram-se nos conceitos de consumidor e fornecedor constantes nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. Nestes termos, o fornecedor de
serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos (art. 14 do CDC).
Trata-se de Ação de Indenização por Danos Morais proposta pela ré em razão de suposta cobrança excessiva em conta de energia
elétrica, bem como multa por suposto desvio de energia, em decorrência de inspeção realizada por aquela.
Alega, outrossim, que a multa foi valorada em R$ 1.562,36 (mil quinhentos e sessenta e dois reais e trinta e seis centavos). Por fim,
recebeu notificação de corte.
Em sede de contestação, aduziu a ré, no mérito, que as cobranças são regulares, tendo em vista a realização de TOI, que detectou a
irregularidade no medidor de energia elétrica.
Cumpre ressaltar que a concessionária de serviço público possui responsabilidade objetiva que lhe atribui o ônus de demonstrar a
inocorrência de falha do serviço. Em que pese tal fato, a ré não conseguiu se desincumbir deste mister.
Nesse prisma, urge ressaltar que a forma como é realizada a inspeção na residência dos usuários da energia elétrica fornecida pela
empresa ré não permite um verdadeiro exercício do direito de defesa pelo consumidor, pois que é feita de forma unilateral pelo fornecedor que se vale de sua superioridade financeira e técnica.
Ademais, a alegação de que é dada oportunidade de defesa ao consumidor depois da inspeção não convence este juízo, porque o
procedimento de contestação do débito é realizado perante a mesma empresa que faz a inspeção, determina o valor a ser pago, e ao
final, faz a cobrança, não havendo aí asseguramento do devido processo legal e das garantias a ele inerentes.
Ademais, descendo ao plano da legislação infraconstitucional, o Código de Defesa do Consumidor reconhece a vulnerabilidade do
consumidor e coíbe a prática de condutas abusivas no fornecimento de produtos ou serviços.
In casu, infere-se que a requerida não logrou êxito em demonstrar que a parte autora foi responsável pela irregularidade constatada no
medidor de energia, sendo certo que sequer houve laudo de inspeção com possibilidade de defesa pelo autor.
Com efeito, havendo defeito ou irregularidade no medidor de energia e não sendo provada a responsabilidade da parte autora pelo
fato, deve a requerida suportar a perda advinda do mau funcionamento de um aparelho seu.
Assim, deve ser afastada toda a legislação que permite tal modo de agir da empresa ré por ser frontalmente colidente com os direitos
fundamentais previstos na Constituição Federal, máxime o do devido processo legal, que como vimos, aplica-se ao âmbito privado,
negocial.
Destarte, não pode subsistir a cobrança lançada na fatura, devendo prevalecer a presunção de boa-fé da parte autora, que não foi
desconstituída pela reclamada (artigo 4º, I e III, da Lei nº 8.078/90).
Como é cediço, a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, contém princípios especiais voltados para a regulação de todas as relações
de consumo, de maneira a conferir o necessário equilíbrio a estas relações e garantir uma prestação jurisdicional justa.
Assim é que o CDC, em seu art. 6º, VIII, prevê a inversão do ônus da prova em favor do consumidor como uma forma de facilitar a sua
defesa no processo desde que presente a verossimilhança de suas alegações ou sua hipossuficiência. É justamente o caso destes
autos. Sim, porque a parte autora não dispõe de qualquer condição para demonstrar a regularidade, ou não, das cobranças efetuadas
pela ré, residindo aí sua hipossuficiência, no particular, de caráter técnico-probatório.
Positivado o eventus damni e a completa ausência de culpa da parte autora para sua ocorrência, cumpre-me pontuar o valor da indenização, uma vez que, na sistemática do CDC, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço é de natureza objetiva.
Impossível cogitar-se que a parte autora passou por mero transtorno do dia-a-dia, sendo que os incisos IV e VI do art. 6º do CDC
protegem o consumidor contra práticas abusivas, autorizando a efetiva reparação de danos, inclusive de cunho moral, decorrendo
esse do desrespeito à condição do consumidor, oriundo da cobrança indevida e ameaça de desligamento da energia elétrica de forma
arbitrária de seu imóvel.
Verificada a responsabilidade da ré, passo a fixar o quantum da indenização por danos morais. Para a adequada fixação de tal dano,
há que se levar em conta, entre outros, a gravidade do dano, os incômodos e os constrangimentos experimentados pelo consumidor,
a repercussão em seu meio social, em seu trabalho, a qualificação profissional do lesado, o poder econômico da empresa lesante, o