TRF3 31/08/2017 -Pág. 879 -Publicações Judiciais I - JEF -Tribunal Regional Federal 3ª Região
A ocorrência de algumas circunstâncias afasta a aplicabilidade do instituto da Responsabilidade Civil, visto que lhes vicia um ou mais dos elementos.
Versa sobre tal, o disposto nos artigos 188, 393, 942 e 945 do Código Civil:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
Extrai-se do texto legal acima exposto os seguintes institutos excludentes:
(i) legítima defesa;
(ii) exercício regular de direito;
(iii) estado de necessidade para evitar perigo eminente;
(iv) caso fortuito ou força maior;
(v) fato de terceiro ou culpa exclusiva de terceiro;
(vi) fato da vítima ou culpa exclusiva da vítima;
(vii) culpa concorrente (não exclui, apenas distribui proporcionalmente o ônus de reparação);
(ix) e cláusula de não-indenizar;
Cabe ressaltar que, no direito consumerista, no tocante a fornecimento de serviços, há rol taxativo de excludentes aplicáveis constantes do artigo 14, §3º do Código de Defesa do Consumidor:
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Do qual se extrai as seguintes excludentes:
(i) defeito inexistente;
Esta confunde-se, muitas vezes, com a ausência de nexo causal, visto que a ausência de falha no serviço prestado indica que este não foi o causador do dano. Pode ser deduzida a partir de outras excludentes oriundas do código
civil, como o exercício regular de direito, caso fortuito ou força maior.
(ii) fato da vítima ou culpa exclusiva da vítima;
(iii) fato de terceiro ou culpa exclusiva de terceiro;
No tocante às excludentes por fato de terceiro ou culpa exclusiva de terceiro ou por caso fortuito ou força maior, cabe ressaltar que estas só são aplicáveis quando a conduta deste terceiro ou o evento fortuito sejam inevitáveis,
imprevisíveis e únicos responsáveis pelo dano. Ou seja, este fato deve ser absolutamente estranho à conduta do fornecedor, não podendo estar incluído no risco de sua atividade.
No caso de prestação serviços bancários, notadamente faz parte do serviço prestado evitar, em sua área de atuação, a ação de terceiros sobre o patrimônio do cliente (fraudadores, assaltantes, estelionatários etc.); ou seja, a
conduta do terceiro ou o evento fortuito de assalto, neste caso, estão incluídos no risco da atividade do fornecedor. Logo, neste caso, não é admissível a aplicação das excludentes de fato de terceiro ou culpa exclusiva de terceiro
e de caso fortuito ou força maior.
No caso concreto:
Em se tratando de relação consumerista, é aplicável a Teoria da Responsabilidade Civil Objetiva.
Da inexigibilidade do débito.
Trata-se da análise fática e jurídica sobre a regularidade ou não da constituição da dívida em questão nesta lide, no intento de verificar a quem imputa-se a real responsabilidade pelo seu cumprimento.
Conforme cópia do procedimento administrativo referente à reclamação do autor (protocolos n.160601090762 e 160601138841), a CEF informou que o cartão mencionado na inicial foi disponibilizado para o autor, e que houve
alteração de endereço da RUA DAS CORRUIRAS BAIRRO INDEPENDENCIA para R DOS PIONEIROS 160 BAIRRO MONTANHAO no dia 08-10-2015, assim como que houve uma solicitação de cartão no dia 12-022016. Afirmou que não há informações no cadastro do segundo endereço vinculado ao autor.
Ainda, esclareceu que as compras foram realizadas no mesmo dia do desbloqueio e, em contato com todos os telefones do cadastro, foi observado que não pertenciam ao autor. Afirma, ademais, que o aviso de recebimento foi
assinado por terceiros, não identificado o grau de parentesco.
Assim, a própria ré classificou como fraude na modalidade INVASÃO DE CONTA. Afirmou que todas as despesas serão regularizadas juntamente com encargos.
Tendo em vista o acima exposto, verifica-se que a dívida não pode ser imputada à parte autora, devendo ser declarada a sua inexigibilidade.
Do pedido de reparação por danos material.
O autor alega que ao solicitar um financiamento imobiliário, firmou contrato particular de compra e venda de imóvel, que, se uma vez não ocorrido, incidiria uma multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). A parte autora junta cópia do
contrato (fls. 04/05 do item 02).
Ocorre que não há como imputar à ré o pagamento de multa ou outros encargos contratados com terceiro. Tal poderia sim implicar em danos materiais, não per si como responsabilidade direta da ré, já que, como pontuado, a CEF
não se obrigaria por negócio firmado entre o autor e terceiro, mas em decorrência do prejuízo sofrido pelo autor por via reflexa, já que teria inadimplido uma obrigação em decorrência de ato ilícito perpetrado pela ré CEF.
Todavia, em se tratando de dano material, competia ao autor comprovar tê-lo sofrido, não bastando para tanto a juntada do contrato que firmou com terceiro, já que o dano revela-se pelo abatimento concreto no patrimônio do
autor, ponto em que não há prova, considerando que o autor não prova ter-lhe sido exigida a multa, tampouco que arcou com seu pagamento.
Ademais, a parte autora não comprova de que foi impedida de obter financiamento imobiliário pelas razões afirmadas na inicial.
E mais, a reclamação apresentada pelo autor também não traz qualquer individualização.
Outrossim, do contrato particular para aquisição do imóvel não diviso imputação de multa para o caso de o financiamento não ter sido concedido no prazo de 40 dias, prorrogável por mais 30 dias. Traga-se a cláusula em questão:
"cláusula 2.2, parágrafo 2º: "caso o agente financeiro ultrapasse 40 (quarenta) dias para liberar aquantia mencionada no item 2.2 da cláusula 2 deste Instrumento Particular por restrições dos Compradores, a contar da entrega de
todos os documentos do Vendedor do imóvel e dos Compradores, será prorrogado por um novo prazo máximo de mais 30 (trinta) dias, ultrapassando este novo prazo acarretará de pleno direito, a rescisão deste contrato". Há multa
por arrependimento.
Ante a ausência de provas do dano sofrido, não é possível imputar à ré a obrigação de reparação a título de danos materiais.
Do pedido de reparação por danos morais.
Quanto ao dano, é assente na jurisprudência ser prescindível sua comprovação; a prova deve ser robusta e voltada à comprovação do fato do qual deriva o dano moral.
A alegação de que foi impossibilitado de contratar financiamento imobiliário poderia ensejar dano moral, cediço a pecha de mal pagador, já que tal suposto obstáculo não constituiu dano à esfera patrimonial, conforme estudado
acima.
Todavia, também no que tange à esfera de direito extrapatrimonial, não há prova de que o autor teve negado pedido de financiamento em razão da dita restrição.
Sob outro giro, o autor também não comprova que tenha sido inscrito em qualquer órgão de proteção ao crédito, o que implica dizer que houve afronta, sim à esfera de direito patrimoniais do autor, a qual se resumiu à exigência
indevida de uma dívida contraída perante a CEF por terceiros, em fraude.
Desse modo, não se constata lesão à esfera extrapatrimonial de direitos da parte autora, tratando-se apenas de mero aborrecimento, já que, conforme ressaltado, o fato restringe-se a divergências quanto à questão financeira, não
tendo havido qualquer exigência de valores por parte da CEF, menos ainda medidas que importassem em atribuir ao autor a pecha de devedor, ou ainda proceder da ré que importasse em desassossego tal que fizesse inferir dano
moral; houve, sim, conflito de interesses entre o autor e à ré quanto à recomposição patrimonial, resumindo-se o caso, tão-só, a esta esfera de direito.
Ausente o elemento do dano, resta prejudicada a análise dos demais elementos para configuração do dever de reparação por dano moral. Portanto, improcedente o pedido da parte autora neste ponto.
Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido e resolvo o mérito na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para:
1. DECLARAR A INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO referente à divida discutida nestes autos, determinando a suspensão imediata de qualquer cobrança ou protesto já em execução pela ré, além da exclusão do nome da parte
autora de qualquer cadastro de inadimplentes;
Sem condenação em custas e honorários, nesta instância.
P.R.I.C.
0008525-22.2015.4.03.6338 - 1ª VARA GABINETE - SENTENÇA COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO Nr. 2017/6338015342
AUTOR: VIVIANE SILVA SANTOS (SP137167 - CATIA RODRIGUES DE SANT'ANA PROMETI)
RÉU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL (SP169001 - CLAUDIO YOSHIHITO NAKAMOTO)
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 31/08/2017
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