TJSP 12/09/2019 -Pág. 1350 -Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III -Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quinta-feira, 12 de setembro de 2019
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano XII - Edição 2890
1350
alta envergadura têm procurado mitigar, ao menos, esta concepção, quase antes sacrossanta, segundo a qual o ato
administrativo nulo não produziria efeitos e a decretação da invalidade operaria sempre para o passado (“ex tunc”), desfazendo
as situações jurídicas aparentemente constituídas. Os atos administrativos inválidos, mesmo nulos, podem sim produzir efeitos,
calhando bem a propósito a glosa sempre precisa de Celso Antônio Bandeira de Mello, no ponto em que verbera que “os atos
nulos e os anuláveis, mesmo depois de invalidados, produzem uma série de efeitos. Assim, por exemplo, respeitam-se os
efeitos que atingiram terceiros de boa-fé. É o que sucede quanto aos atos praticados pelo chamado “funcionário de fato”, ou
seja, aquele que foi irregularmente proposto em cargo público” (in Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 13ª ed., p. 425).
Nesse mesmo pendor, observa o não menos ilustre José Cretella Júnior que se tratando de ato nulo ou inexistente, deve-se
indagar se o beneficiário com o ato concorreu de má-fé para a edição da medida. Se não concorreu, o ato que declara a
nulidade ou a inexistência pode não retroagir, segundo o exame das circunstâncias (cf. Curso de Direito Administrativo, Forense,
15ª ed., p. 315). Então, calha ver que a proteção a situação jurídica do administrado de boa-fé pode se impor, mesmo frente a
um caso de nulidade do ato administrativo, porque a preservação dos efeitos produzidos, conquanto indevidamente, pode, muita
vez, mais adequadamente resguardar o próprio interesse público. Está lição é igualmente abonada por Maria Sylvia Zanella Di
Pietro, para quem se reconhece ao poder público a prerrogativa de deixar de invalidar os atos ilegais, em circunstâncias
determinadas, quando o prejuízo resultante da anulação puder ser maior do que o decorrente da manutenção do ato ilegal,
convalidando-os (Direito Administrativo, 9ª ed., p. 195). Em exemplário, imagina-se o caso de um funcionário estrangeiro que há
mais de trinta anos ocupa e exerce as funções inerentes a um cargo de provimento efetivo, mas que somente poderia ser
ocupado por brasileiros. Negar ao funcionário o direito de aposentação, porque nula a investidura e todos os atos dela
decorrentes seria impor à Administração, por certo, um ônus e eventualmente muito maior - de indenizar o servidor que possuía
uma expectativa fundada de aposentar-se, com o recebimento dos proventos decorrentes. É o que se recolhe, mutatis mutandis,
da situação em exame. A boa-fé do servidor é indisputável. Centrada em texto de lei que à época não se contrastava
judicialmente, elegeu o regime estatutário para a disciplina do vínculo que a enlaçava ao poder público. Desde então a pessoa
política confere-lhe tratamento de típica funcionária pública, com todos os bônus e ônus daqueles que compõem o quadro
permanente da administração. Em nenhum momento a administração, na trilha de todos esses anos, cogitou de, sob o pálio da
autotutela, reconduzir o servidor ao regime de Direito do Trabalho. Se ao servidor conferia-se status de funcionário público em
sentido estrito, a contrario não se lhe reconheciam direitos trabalhistas típicos, como o recolhimento do fundo de garantia.
Negar-lhe agora benefícios próprios do “status” de funcionário público parece malferir, a olhos desarmados, o princípio que,
segundo o dístico romano que se tornou clássico, interdita o venire contra factum proprium. Ora bem, pelo escólio de Renan
Lotufo, “o princípio do venire contra factum proprium tem fundamento na confiança despertada na outra parte que crê na
veracidade da primeira manifestação, confiança que não pode ser desfeita por um comportamento contraditório. Pode-se dizer
que a inadmissibilidade do venire contra factum proprium evidencia a boa-fé presente na confiança, que já de ser preservada.
Daí o dizer de Franz Wieacker (El principio general de la buena fé, p. 62): “...el princípio Del venire es uma aplicación del
principio de la ‘confianza em el tráfico jurídico’ y no um específica prohibición de la mala fe y de la mentira” (Código Civil
Comentado, Saraiva, 1ª ed., p. 501/502). É isso lição abonada pela jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça, alinhada
no sentido de que “o direito moderno não compactua com o venire contra factum proprium, que se traduz como o exercício de
uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente (MENEZES CORDEIRO, Da Boa-fé no
Direito Civil, 11/742). Havendo real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada da
confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à conduta posterior.” (Resp
n. 95539-SP Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR). Nesse mesmo acórdão, averbou seu eminente relator, com o sufrágio
de seus pares, que o sistema nacional “deve ser interpretado e aplicado de tal forma que através dele possa ser preservado o
princípio da boa-fé, para permitir o reconhecimento da eficácia e validade de relações obrigacionais assumidas e lisamente
cumpridas, não podendo ser a parte surpreendida com alegações formalmente corretas, mas que se chocam com os princípios
éticos, inspiradores do sistema”. De outra feita consignou-se que o terceiro de boa-fé não pode ser prejudicado por erro próprio
da administração, sob a “aplicação dos princípios de que nemo potest venire contra factum proprium e de que nemo creditur
turpitudinem suam allegans” (Resp. n. 47.015(94.011462-1) SP Relator Ministro ADHEMAR MACIEL). Nessa mesma contextura,
especialmente na quadra do Direito Administrativo, o eg. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul já glosou, com
qualidade, que uma legítima expectativa não pode ser irrespondida pela administração pública, sob pena de ofensa à proibição
do venire contra factum proprium (TJMS 3ª. T. Cível. Apelação Cível Ordinário n. 2002.001703-6/0000-00 Campo Grande.
Relator Exmo. Des. HAMILTON CARLI. Unânime). É a mesma inteligência construtora da orientação jurisprudencial, hospedada
em respeitabilíssimo posicionamento doutrinário, segundo a qual também o poder que se reserva à Administração de anular
seus próprios atos submete-se à prescrição quinquenal como projeção do princípio cardeal da segurança jurídica. Veja-se, a
propósito, por todos, com sólida fundamentação, a excelente declaração de voto vencedor do culto Desembargador Rui Stoco,
no julgamento da Apelação Cível 374.726.5/5-00, do eg. Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua colenda 4ª Câmara de Direito
Público. Da compaginação dessas idéias, claro está que, à esta altura, não pode o(a) autor(a) ter-se por excluído(a) do regime
jurídico próprio aos funcionários públicos municipais. Pois bem: o art. 79 da Lei Municipal n° 4.623/84, que veio a instituir o
Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Santos, dispõe expressamente que “Na contagem do tempo, para todos os
efeitos desta lei, computar-se-á integralmente: a) o tempo de serviço em outro cargo ou função pública do Município
anteriormente exercido pelo funcionário; b) (...); c) o número em dias em que o funcionário houver trabalhado como
extranumerário no Município” (grifei). De par com isso, o mesmo Estatuto, ao cuidar do adicional por tempo de serviço por seu
art. 156, explicita que “para a percepção de adicional por tempo de serviço (art. 154), será contado o tempo de serviço prestado
antes da efetivação, a qualquer título, em outro cargo municipal ou extranumerário” (grifei). Note-se que a parte final da
disposição harmoniza-se com a Lei Municipal n° 2.180/59, que dispunha sobre o regime jurídico dos chamados extranumerários
e que por seu art. 61 contemplava a vantagem pecuniária do adicional por tempo de serviço aos numerários que prestassem
serviço de qualquer natureza, excetuando-se os que exercessem cargo público. Nessa mesma espiral, sobre o benefício da
licença-prêmio, o Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Santos deixa patenteado, com bastante nitidez, que “será
contado para o efeito desta licença, o tempo de serviço anteriormente prestado como extranumerário do Município, desde que
não tenha havido solução de continuidade” (art. 199, par. 1º). Dito de outro modo, se para o funcionário público em geral o
tempo anterior à investidura prestado como extranumerário ao Município será considerado “para todos os fins” (art. 79 da Lei
4.623/84), não há pressupostos lógicos a autorizar que à autora venha a ser dispensado tratamento jurídico diverso. Nessa
lente, cumpre o Município e o IPREVSANTOS a proceder à revisão estipendial em ordem a ajustar o percentual do adicional por
tempo de serviço ao período laborativo sob o regime da Lei 2.180/59, respondendo a pessoa política pelas diferenças
remuneratórias pretéritas não abarcadas pela prescrição parcelar, até o momento que alcançou a aposentação (01.04.2015),
quando, então, passará a autarquia previdenciária municipal a responder pela diferença dos proventos de aposentadoria.
Caberá à Administração, mais, proceder ao cômputo do referido período também para os fins de concessão de licença-prêmio,
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º